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Linha do Tempo

A história das tecnologias no jornalismo: como saímos de Gutemberg ao Python?

“Cercados por mudança pode ser tentador ignorar o passado. Mas entender o passado é uma das melhores formas de se compreender onde estamos agora - e o que é provável de acontecer em seguida”. É clichê se falar na importância de outros tempos para entender o presente. Mas é com essa frase que Paul Bradshaw dá início ao apanhado histórico em seu guia para o jornalismo na Era Digital — The Online Journalism Handbook: Skills to survive and thrive in the digital age. O livro é tido como uma das principais referências práticas para essa nova era do jornalismo. 

 

É assim que vamos começar por aqui também. Por isso, segue o que vem pela frente: uma tentativa de conhecer a história das tecnologias empregadas no jornalismo e como elas levaram ao perfil de jornalista que temos hoje, sobretudo no Brasil. É um jornalista com conhecimento de prática multimídia, tecnologia e produto, que aqui chamamos de jornalista MTP

 

Um bloco de notas, uma caneta, uma máquina de escrever e duas folhas de papel eram suficientes para que o jornalista produzisse uma reportagem, que era enviada junto a outras para a gráfica, até os anos 80, com poucas alterações desde a criação da imprensa por Gutemberg no século 15. Depois disso, o conteúdo seria impresso e distribuído por aviões e caminhões. Apesar da expansão da comunicação em massa ter acontecido depois da Segunda Guerra Mundial, as tecnologias usadas permaneceram as mesmas até aquela década, escreve Bradshaw. Jornalistas e publishers ainda eram os donos do conteúdo e da distribuição.

 

1991 marca o início dessa mudança: o surgimento da World Wide Web (WWW). Ela ainda não estava atrelada a internet e não era difundida como conhecemos hoje, mas foi o começo da transformação. Mesmo assim, alguns jornalistas já mostravam que era possível inovar por meio dela. Em 1995, ex-profissionais do San Francisco Examiner lançaram o jornal online “Salon”, um produto apresentado como “tabloide inteligente”, depois de terem adquirido conhecimentos em HTML no ano anterior — conhecimentos esses que podem ser aplicados até hoje, para elaborar sites e otimizar a distribuição via Google. O pensar do jornalismo enquanto produto também é uma das características que permanecem na profissão.

 

A publicação de um jornal exclusivamente digital em meados da década de 90 era precoce para o Brasil — onde a difusão da internet viria apenas nos anos 2000 — mas demonstra uma semente do uso de linguagens de tecnologia pelo jornalismo. E é essa uma das características do jornalista MTP, como veremos mais adiante. Aliás, as diferenças na época de mudanças em cada país fazem parte do fenômeno da transformação do jornalismo. O que é chamado de história em alguns locais pode estar ainda começando em outros, “com as mesmas lições sendo aprendidas de novo e de novo”, diz Bradshaw.

 

Além do uso de tecnologia por jornalistas, o jornal online “Salon” apresentava outra característica que se tornaria tendência: os fóruns e o tom de conversa apontavam para uma nova relação entre jornalista e leitor, um senso de comunidade. A tecnologia open source (como do Wordpress), permitiu às pessoas criar conteúdo em formato de blog, prática que ganhou força em meados dos anos 2000. Era o início do que ficou conhecido como Web 2.0, com a participação ativa da audiência e o surgimento de Wikipedia, MySpace e Flickr, seguidos de Facebook e YouTube. O bate papo do Uol, por aqui, também era parte do movimento.

 

A expansão da internet levou a necessidade de que veículos antes impressos existissem também no meio digital. Antes tratados como dois produtos diferentes, por vezes até com contratos ou andares separados para os profissionais, os sites e o impresso dos veículos passaram a se integrar cada vez mais, escreve Bradshaw. Foi o processo chamado de convergência. Além da aproximação física, a convergência levou a mudanças no jornalismo: o surgimento de profissionais multitarefas, da entrega multiplataforma e de uma audiência ativa - características que permanecem até hoje.  

 

A partir de 2010, os dispositivos móveis começaram a ganhar força no Brasil, segundo Isadora Ortiz de Camargo, pesquisadora de jornalismo e comunicação digital na USP (Universidade de São Paulo), primeiro com o Ipod e depois com os smartphones. A difusão das redes sociais e destes aparelhos possibilitou a mudança para o formato de jornalismo mobile-first, com a produção de conteúdo focada neles, e também a consolidação da prática multimídia no jornalismo, que permanece até os dias atuais.

 

Mais recentemente, alguns profissionais têm dado um passo adiante, que vai além da prática multimídia e do entendimento do jornalismo enquanto produto. Esses profissionais jornalistas, com maior ou menor grau de conhecimento, estão aplicando técnicas da área de tecnologia para desenvolver o jornalismo nos veículos em que atuam. É um passo que vai além do entendimento da linguagem do digital, e exige compreensão de o que essas técnicas de tecnologia são capazes de produzir, na gestão do produto e produção de conteúdo multimidiático. 


Por aqui, você pode conferir um pouco mais sobre o tema. O que essa série de reportagens busca analisar é o uso dessas tecnologias em algumas áreas no Brasil: SEO técnico, experiência do usuário, jornalismo de dados, checagem de fatos e métricas de audiência — com as redes sociais e a multimídia como plano de fundo. As reportagens desta série destrincham cada um desses temas, baseadas em experiências de profissionais que atuam em veículos do Brasil, que levam à caracterização do atual perfil de profissional: o jornalista MTP, com conhecimentos de multimídia, produto e tecnologia.

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